Hoje vinha das compras, feitas como sempre numa superficie comercial, com os meus sacos de lona cheios até acima, e a minha memória viajou até ao passado.
Voltei ao tempo em que ia às compras com o cesto de verga, a pé, à mercearia da esquina (literalmente). O senhor António, alto e magro, ao estilo do Cavavo de antigamente, tinha um ar assustador. Eu não simpatizava muito com ele, apesar dos seus sorrisos amarelos.
No senhor António compravam-se o pão, os legumes e o leite (para o qual houve fila durante um certo tempo), o Nestum e o Cola Cao. O Tulicreme e as bananas. A manteiga e o queijo. No senhor António aprendi a fazer contas e a confirmar o troco (o senhor tinha a fama, justificada ou não, de se enganar demasiado). Ao senhor António ia-se sem pressa, sem stresse, à medida que se iam precisando de coisas em casa. O senhor António fazia fiado, se não já houvesse dinheiro naquela altura do mês. O senhor António tinha sombrinhas de chocolate. Do senhor António vinha-se carregado, mas o peso era distribuído por todos os manos e pela mãe.
Naquela altura não se pensava no mal que os sacos de plástico fazem, porque não era com eles que fazíamos as compras. Não havia cartões de crédito, nem de pontos, nem descontos para a bomba de gasolina. Mas tínhamos espaço para brincar nos passeios da rua, que ainda não estavam cheios de carros.
Estou saudosa? Acho que sim. Tive uma infância feliz, luminosa e risonha. Sem medos e com amor. Sem muito dinheiro, mas com tudo o que precisava. E por mais que os nossos filhos tenham coisas com que nem sonhávamos na idade deles, já não têm a liberdade de brincar na rua com os amigos, ir a pé para a escola e fazer clubes secretos na mata ao lado de casa.
E o assustador senhor António fez-me lembrar disto tudo...
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