Esta semana estou muito nostálgica...
Já não bastava a memória da mercearia do senhor António, ontem fui visitar a minha avó e o meu tio.
A casa onde moram é enorme, gelada, cinzenta, vazia e desarrumada. Hoje... porque quando eu era criança era uma casa cheia de vida, calorosa, animada e luminosa.
Pus-me a olhar para a cozinha, que está, no mínimo, uma grande porcaria, e lembrei-me das manhãs passadas na grande mesa de madeira e mármore, a comer sopinhas de gato ao pequeno-almoço, ou torradas tostadas na chapa. Montes de crianças à volta da mesa, a casa cheia de luz, o calor do Verão a entrar pelas janelas abertas. A minha bisavó atarefada de um lado para o outro, para acudir à criançada toma com fome.
Olhei pela janela, para o mato que outrora era o jardim, cheio de rosas cuidadas, flores pequeninas e rosadas cheias de abelhas e borboletas à volta.
Lembrei-me de uma vez em que a minha avó começou a lavar as escadas e o carreiro de formigas ia-se afogando todo. Estiquei os braços para que elas subissem por eles acima e não morressem. Gostava de ficar deitada na relva, ao lado dos lençóis brancos estendidos ao sol a corar, e ver as formigas levarem as folhas, os pedaços de açúcar para dentro dos seus buracos.
O sótão era cheio de mistérios e roupas lindas antigas, da minha avó e bisavó. As férias naquela casa eram sempre maravilhosas, divertidas.
A casa de banho gigante, com uma janela enorme, por onde entravam jorros de luz enquanto tomávamos banho todos ao molho. Hoje é fria e velha, gasta, com os canos a aparecerem nas paredes.
Hoje tudo me parece triste, cinzento, desmazelado, sujo. Olho para a minha avó, que era uma resmungona adorável, e só vejo uma velhinha doente e praticamente sozinha numa casa gigante. Pequenina e encolhida, cabelo branco e pele cinzenta. A imagem que tenho na minha cabeça é de uma senhora linda e elegante, pouco sorridente mas atenciosa, carinhosa quando era preciso. Olho para o meu tio e vejo um velhote, quando é um homem de meia idade, atormentado pela doença e pelas memórias do que a vida poderia ter sido se...
Mantenho as memórias claras, lembro-me da felicidade de antanho, mas a realidade sobrepõe-se ferozmente ao que quero manter vivo. O cinzento apaga o dourado, as paredes amarelecidas esfriam o calor do passado e eu fico... desolada.
Gostava de poder fazer reviver aquela casa para os meus filhos. Gostava de poder ter Verões passados em família numa casa renascida, cheia de vida e risos outra vez. Temo não ser capaz de fazê-lo, mas continuo a lembrar, a imaginar e a esperar.
Quem sabe um dia?