quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Curioser and curioser...

Este domingo tive uma experiência deveras interessante, que já não vivia desde os idos de 90. Fui assistir a um desfile da Moda Lisboa. Confesso que o desfile em si, por muito bonito que tenha sido e por mais que me tenha agradado, não foi o prato forte da tarde. Tudo o que rodeou a Moda Lisboa é que o foi.
Chegámos ao Mercado da Ribeira aproximadamente 45 minutos antes do início do desfile. Logo à entrada havia a habitual multidão de estudantes de arte, com as suas franjinhas curtas, óculos de massa quadrada, saias até ao chão e doc martens.
Enquanto esperava cá fora pela amiga que me ia dar o convite para o desfile da White Tent , reparei num casalinho peculiar, uma senhora talvez pouco mais velha do que eu (a roçar os enta) agarradinha a um jovem com idade para ser... o irmão 15 anos mais novo. Ela com um ar muito snob e ele com uma carinha de rato loiro, confiante do seu porte. Os dois estavam vestidos de igual, versão all in black with a twist. Verdadeiro amor, certamente, se não um pelo outro, sem dúvida pela moda!
Uma vez com o convite em mão, entrámos então no mercado. Senti-me, imediatamente, imersa numa cultura estranha, como uma antropóloga a estudar uma tribo desconhecida. 
Desde as roupagens diversas, da mais chique, à mais vanguardista ou de mais mau gosto (para mim, leiga das normas desta tribo), à linguagem corporal e verbal, tudo na tribo me parecia demasiado estranho. 
Adolescentes longilíneas passeavam os seus longos cabelos lisos e elegantes pernas torneadas em mini-calções, falando ao telefone, crianças de colo vestidas com o último grito da moda atiravam-se para o chão, cansadas de tanta roupa, de tanta gente, e eram arrastadas por pais elegantes e impecavelmente vestidos para mais um desfile. Rapazes de cabelo cheio de gel e sorriso misterioso passeavam o seu charme dentro de calças demasiado apertadas para poder garantir uma futura reprodução. Musculados e descalços homens morenos vagueavam pelos corredores da moda, talvez para pôr sorrisos na boca dos presentes. Não havia necessidade, eu sorria só de olhar para a multidão que me rodeava.
Presumo que me destacava tanto na multidão como os elementos da tribo que estava a estudar, mas pelo facto de não corresponder de forma alguma aos usos e costumes da dita tribo. Calças de ganga enfiadas em botas rasas e rabo de cavalo davam-me todo o ar de dona de casa desesperada, que não cai bem entre os elementos da tribo fashion. Não se iludam, há mães nesta tribo, mas daquelas que todas as outras mulheres invejam, de tão elegantes que são, apesar dos dois pares de trigémeos lá em casa (com as nannies).
Durante o desfile continuei a minha missão de observação tribal. Achei engraçado um jovem, figura pública, que estava na primeira fila do desfile. O facto de estar na primeira fila faz parte dos usos e costumes da tribo, que venera as pessoas de sucesso que aparecem na televisão. O que achei interessante foi ver a forma como o rapaz observava as jovens modelos de mamilos erectos por baixo das camisolas transparentes de lã (creio que a sala onde mudam de roupa deve ser bem mais fria do que sítio abafado onde o desfile estava a decorrer) que desfilavam enquanto ele cofiava a barba que deixou crescer para fazer um papel num filme suíço e passava os dedos ao de leve pelos lábios com ar de entendido (coincidência, voltei a vê-lo nessa noite no Lado B, do Bruno Nogueira, mas já com um ar menos voluptuoso).
Depois do desfile, a minha amiga lá arranjou um esquema para entrarmos na sala dos membros importantes da tribo, o que nos deu uma visão mais alargada do comportamento dos elementos de topo desta sociedade.
Enquanto entrávamos na dita sala, à revelia dos seguranças à porta, umas jovens foram barradas no corredor. A hierarquia social desta tribo está bem definida, e só após mostrar pata branca (vulgo o passe) era permitido o acesso à sala. A mestra da cerimónias da tribo não permitia que aquelas pessoinhas, claramente arrivistas a quererem penetrar no Eden da Moda, passassem do limiar da entrada e disse-o alto e bom som: "Não venham para aqui com esquemas para entrar, já vos disse que não passam". Não sei como o olfacto desta senhora não nos detectou e não fomos apanhadas, mas é um facto que entrámos no Olimpo, onde descobrimos que a tribo tem preferência por amendoins envoltos em cacau e Martinis Gold.
Todos se passeavam com um copo na mão, mas com um toque especial: um bago de amora. Devia ser bom. Como comum mortal que sou, e tendo que guiar de volta para casa, fiquei-me pelo ginger ale.
O episódio da minha tentativa de conseguir arranjar bebidas é merecedor de descrição. Aproximei-me do balcão, por trás do qual estavam vários espécimes perfeitos da espécie humana, e tentei pedir as nossas bebidas. Estes espécimes altamente evoluídos (evolução notória na sua beleza), têm um olfacto apuradíssimo para as feromonas de quem não é fashion. Sentindo que eu não pertencia à tribo, o meu atendimento foi relegado para depois de todos os outros elementos da espécie, e só quando todos foram atendidos é que o jovem se decidiu a partilhar as suas bebidas comigo. Houve mesmo um espécime que atendeu uns três elementos que estavam ao meu lado, e quando chegou a minha vez, levantou o seu perfeito dedinho indicador como quem diz "Desculpe, não sou da sua categoria" e abandonou o balcão para falar com outros elementos notáveis. Tudo isto é para mim fascinante, deixa-me boquiaberta e interiormente sorridente.
Lá soou o gongo, sinal de que mais um desfile se ia iniciar, e toda a tribo se dirigiu para o recinto onde a acção se ia passar. Não tendo convite para mais um desfile, lá nos decidimos a abandonar o local, e regressar ao mundo real.
Uma última imagem ficou gravada na minha memória. Enquanto descia a escada, uma jovem muito jovem, não mais do que quinze anos, esperava à porta do mercado. Notoriamente uma modelo, tinha uma elegância natural, um rosto oval perfeito com uns olhos verdes enormes e uns lábios perfeitamente desenhados pelo grande Grande Desenhador da Humanidade. No entanto esta beleza rara tinha um olhar triste e enfadado. Ao mesmo tempo que a admirava e equacionava a hipótese de ir ter com ela para lhe dizer o quão bela era (o que não fiz, porque não devemos interagir com outra tribo, podemos perturbar o seu comportamento normal), perguntava-me como é que alguém tão belo podia estar tão aborrecido. Mistérios da natureza humana ou mistérios da tribo fashion? Terei que investigar mais a fundo...

Sem comentários:

Enviar um comentário