domingo, 24 de outubro de 2010

And then God created Woman

Estes últimos dias tenho cogitado bastante sobre uma questão: acho que a história da criação do Homem e da Mulher está um bocado mal contada. 
A Bíblia conta-nos que Deus, um brincalhão de primeira com uma imaginação do camandro, resolveu criar o mundo. Fez os animais mais incríveis, desde o ornitorrinco, uma anedota da natureza, até aqueles peixes que vivem nas profundezas do mar, e coitadinhos, nunca vêem a luz do sol. Outra piada, um bocado de mau gosto para mim. 
Imaginou, criou, fez a Terra, com tudo o que conhecemos, (e com tudo o que já não conhecemos porque conseguimos destruir) em 5 dias. Ao sexto dia pensou com os seus botões (se é que Ele está vestido), preciso de uma Obra Prima. Então criou o Homem. Um bocado de lama, umas amassadelas com cuspo divino e o sopro da vida fizeram o trabalho. Aparentemente simples, quando comparado com outros seres da Criação, mas infinitamente complicado, como Deus se aperceberia mais tarde. Enfim, o Homem estava criado, e Deus ficou feliz. Descansou ao sétimo dia, foi para o time share que tinha comprado num cantinho a sul do jardim do Éden.
O Homem lá começou a sua vidinha de homem. Andava por ali, olhava para as árvores, as flores, viu as ovelhas e achou-lhes piada, descobriu que podia comer umas frutas deliciosas que nasciam nas árvores e umas coisas esquisitas que saíam do chão. As primeiras semanas foram divertidas, como era suposto ser para a criação máxima do Ser Divino. 
Mas já nessa altura andava por ali um bicho invisível, que Deus nem se lembrava que tinha criado, um viruzito chamado influenza. De temperamento imprevisível, gostando tanto de porcos como de aves, um dia cruzou-se com o nosso homem, que ainda por cima apreciava andar nu em pêlo, e achou que tinha que experimentar aquilo. Afinal, era a primeira vez que via um!
O infeliz foi contaminado, e quase imediatamente entrou num estado letárgico, afligido por dores e febre que lhe tiravam toda a vontade de se mexer. Enrolou-se debaixo de uma figueira, e decidiu não mais dali sair enquanto não voltasse a sentir-se vigoroso. Entrou numa ladainha queixosa, com gemidos e imprecações, de tal forma que incomodaram Deus, que estava tão feliz no seu condomínio fechado.
Sentido-se responsável por todos os seres da sua criação, lá foi investigar o que se passava e descobriu a sua criação perfeita reduzida a um insignificante ser lamuriante.
Reflectindo sobre a situação, decidiu que se tinha esquecido de fazer uma parceira para o homem, para lhe fazer companhia, para ficar com ele, na saúde e na doença. Enquanto o fraco homem dormitava num sono febril, Deus tirou-lhe uma costela e criou a Mulher. 
Ora a mulher, apesar de muito similar ao homem fisicamente, mais apêndice, menos apêndice, era muito diferente dele em quase todos os outros aspectos. Incrivelmente, sentiu logo um carinho enorme pela criação máxima de Deus, naquilo que mais tarde viria a ser chamado "Síndrome de Florence Nightingale". Resolveu tratar dele, procurou plantas que o pudessem ajudar, trouxe-lhe água, enfim, tentou diminuir o seu desconforto ao máximo. 
Hoje em dia toda a gente sabe que as mulheres não são de ferro, mas a primeira mulher não tinha noção disso, e também foi apanhada pelo vírus influenza. Também ela ficou fraca, com dores, febre, também ela só tinha vontade de se deitar debaixo de uma figueira e ficar assim até o vírus se fartar dela.
Mas o homem precisava dela, as ovelhas tinham que ser levadas a pastar, tinha que ir buscar água para o homem beber e para o refrescar. E graças aos céus, ainda não tinham tido tempo de procriar, e não havia homenzinhos e mulherzinhas de quem tomar conta.
O homem queixava-se: "Ai sinto dores, nem sabes as dores que sinto. Já sentiste estas dores? Ai, estou a transpirar tanto, nem imaginas o que estou a transpirar. Já transpiraste assim? Olha, não gosto dessas plantas, não me podes arranjar outras? Não tens peninha de mim? Estou tão doente!" A mulher não tinha  assim muita pena, mas lá continuava a tratar do seu enfermo. Assim, não teve a mulher outro remédio do que continuar o seu dia a dia, procurando as plantas e indo buscar a água, independentemente de quão mal se sentia.
Eventualmente o homem lá despertou do seu torpor, lá se sentiu melhor, lá se levantou de debaixo da figueira, espreguiçou-se e disse: "Sinto-me um homem novo! Ainda bem que Deus tomou conta de mim. Sou mesmo a Criação preferida do Senhor!"
E lá voltou à sua vidinha. A mulher também voltou à sua, e durante milhares e milhares de anos esta seria a sua sina: tratar dos homens, das crianças, do quotidiano, sem ser devidamente reconhecida. 
Esta meus amigos, é a verdadeira história da criação do Homem e da Mulher, e quem não tiver já tido que aturar um marido doente em casa, é que não sabe! Tenho dito!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Curioser and curioser...

Este domingo tive uma experiência deveras interessante, que já não vivia desde os idos de 90. Fui assistir a um desfile da Moda Lisboa. Confesso que o desfile em si, por muito bonito que tenha sido e por mais que me tenha agradado, não foi o prato forte da tarde. Tudo o que rodeou a Moda Lisboa é que o foi.
Chegámos ao Mercado da Ribeira aproximadamente 45 minutos antes do início do desfile. Logo à entrada havia a habitual multidão de estudantes de arte, com as suas franjinhas curtas, óculos de massa quadrada, saias até ao chão e doc martens.
Enquanto esperava cá fora pela amiga que me ia dar o convite para o desfile da White Tent , reparei num casalinho peculiar, uma senhora talvez pouco mais velha do que eu (a roçar os enta) agarradinha a um jovem com idade para ser... o irmão 15 anos mais novo. Ela com um ar muito snob e ele com uma carinha de rato loiro, confiante do seu porte. Os dois estavam vestidos de igual, versão all in black with a twist. Verdadeiro amor, certamente, se não um pelo outro, sem dúvida pela moda!
Uma vez com o convite em mão, entrámos então no mercado. Senti-me, imediatamente, imersa numa cultura estranha, como uma antropóloga a estudar uma tribo desconhecida. 
Desde as roupagens diversas, da mais chique, à mais vanguardista ou de mais mau gosto (para mim, leiga das normas desta tribo), à linguagem corporal e verbal, tudo na tribo me parecia demasiado estranho. 
Adolescentes longilíneas passeavam os seus longos cabelos lisos e elegantes pernas torneadas em mini-calções, falando ao telefone, crianças de colo vestidas com o último grito da moda atiravam-se para o chão, cansadas de tanta roupa, de tanta gente, e eram arrastadas por pais elegantes e impecavelmente vestidos para mais um desfile. Rapazes de cabelo cheio de gel e sorriso misterioso passeavam o seu charme dentro de calças demasiado apertadas para poder garantir uma futura reprodução. Musculados e descalços homens morenos vagueavam pelos corredores da moda, talvez para pôr sorrisos na boca dos presentes. Não havia necessidade, eu sorria só de olhar para a multidão que me rodeava.
Presumo que me destacava tanto na multidão como os elementos da tribo que estava a estudar, mas pelo facto de não corresponder de forma alguma aos usos e costumes da dita tribo. Calças de ganga enfiadas em botas rasas e rabo de cavalo davam-me todo o ar de dona de casa desesperada, que não cai bem entre os elementos da tribo fashion. Não se iludam, há mães nesta tribo, mas daquelas que todas as outras mulheres invejam, de tão elegantes que são, apesar dos dois pares de trigémeos lá em casa (com as nannies).
Durante o desfile continuei a minha missão de observação tribal. Achei engraçado um jovem, figura pública, que estava na primeira fila do desfile. O facto de estar na primeira fila faz parte dos usos e costumes da tribo, que venera as pessoas de sucesso que aparecem na televisão. O que achei interessante foi ver a forma como o rapaz observava as jovens modelos de mamilos erectos por baixo das camisolas transparentes de lã (creio que a sala onde mudam de roupa deve ser bem mais fria do que sítio abafado onde o desfile estava a decorrer) que desfilavam enquanto ele cofiava a barba que deixou crescer para fazer um papel num filme suíço e passava os dedos ao de leve pelos lábios com ar de entendido (coincidência, voltei a vê-lo nessa noite no Lado B, do Bruno Nogueira, mas já com um ar menos voluptuoso).
Depois do desfile, a minha amiga lá arranjou um esquema para entrarmos na sala dos membros importantes da tribo, o que nos deu uma visão mais alargada do comportamento dos elementos de topo desta sociedade.
Enquanto entrávamos na dita sala, à revelia dos seguranças à porta, umas jovens foram barradas no corredor. A hierarquia social desta tribo está bem definida, e só após mostrar pata branca (vulgo o passe) era permitido o acesso à sala. A mestra da cerimónias da tribo não permitia que aquelas pessoinhas, claramente arrivistas a quererem penetrar no Eden da Moda, passassem do limiar da entrada e disse-o alto e bom som: "Não venham para aqui com esquemas para entrar, já vos disse que não passam". Não sei como o olfacto desta senhora não nos detectou e não fomos apanhadas, mas é um facto que entrámos no Olimpo, onde descobrimos que a tribo tem preferência por amendoins envoltos em cacau e Martinis Gold.
Todos se passeavam com um copo na mão, mas com um toque especial: um bago de amora. Devia ser bom. Como comum mortal que sou, e tendo que guiar de volta para casa, fiquei-me pelo ginger ale.
O episódio da minha tentativa de conseguir arranjar bebidas é merecedor de descrição. Aproximei-me do balcão, por trás do qual estavam vários espécimes perfeitos da espécie humana, e tentei pedir as nossas bebidas. Estes espécimes altamente evoluídos (evolução notória na sua beleza), têm um olfacto apuradíssimo para as feromonas de quem não é fashion. Sentindo que eu não pertencia à tribo, o meu atendimento foi relegado para depois de todos os outros elementos da espécie, e só quando todos foram atendidos é que o jovem se decidiu a partilhar as suas bebidas comigo. Houve mesmo um espécime que atendeu uns três elementos que estavam ao meu lado, e quando chegou a minha vez, levantou o seu perfeito dedinho indicador como quem diz "Desculpe, não sou da sua categoria" e abandonou o balcão para falar com outros elementos notáveis. Tudo isto é para mim fascinante, deixa-me boquiaberta e interiormente sorridente.
Lá soou o gongo, sinal de que mais um desfile se ia iniciar, e toda a tribo se dirigiu para o recinto onde a acção se ia passar. Não tendo convite para mais um desfile, lá nos decidimos a abandonar o local, e regressar ao mundo real.
Uma última imagem ficou gravada na minha memória. Enquanto descia a escada, uma jovem muito jovem, não mais do que quinze anos, esperava à porta do mercado. Notoriamente uma modelo, tinha uma elegância natural, um rosto oval perfeito com uns olhos verdes enormes e uns lábios perfeitamente desenhados pelo grande Grande Desenhador da Humanidade. No entanto esta beleza rara tinha um olhar triste e enfadado. Ao mesmo tempo que a admirava e equacionava a hipótese de ir ter com ela para lhe dizer o quão bela era (o que não fiz, porque não devemos interagir com outra tribo, podemos perturbar o seu comportamento normal), perguntava-me como é que alguém tão belo podia estar tão aborrecido. Mistérios da natureza humana ou mistérios da tribo fashion? Terei que investigar mais a fundo...

Wonderful hope

Há 69 dias que 33 pessoas viviam na escuridão, juntos, sozinhos com os seus pensamentos, com a sua esperança. Ver a luz do dia novamente. Ver a família novamente. Respirar ar fresco novamente. 
É-me impossível conceber o que terão sido estes 69 dias para estes 33 homens, a dificuldade que devem ter tido em acreditar, ao princípio, que sairiam dali vivos. No entanto, houve várias pessoas que tentaram imaginar o que se passaria entre este homens.
Quando o acidente aconteceu, ouvi vários peritos, na rádio, na televisão, falarem sobre o stresse mental a que os mineiros estavam sujeitos, como isso ia afectar o seu relacionamento, como poderiam eclodir brigas, desacatos. Opinaram sobre a confusão que provavelmente se iria gerar quando fosse a altura de voltarem à superfície, como poderia haver brigas, discussões, cada um a querer ser o primeiro a regressar à vida.
Fiquei feliz e emocionada, hoje de manhã, quando vi o abraço do primeiro mineiro ao seu filho e mulher. As lágrimas que corriam pelo rosto da criança falavam bem da felicidade do momento, e da angústia destes 69 dias. Mas fiquei ainda mais feliz por ver que o ser humano, ao contrário do que anunciavam os arautos da desgraça, consegue unir-se na adversidade. Não foi o pior de cada homem que veio à superfície, enquanto estavam nas profundezas da terra. Acredito que foi o melhor de cada um, a humanidade, a esperança, o amor pela família, a crença em Deus, que os fez ultrapassar estes negros 69 dias. Foi o melhor de cada um que permitiu que o regresso de todos se fizesse de forma ordeira, organizada e segura. Chamem-me ingénua, mas acredito no Homem.

PS: E como o nome da cápsula foi bem escolhido. 

sábado, 9 de outubro de 2010

I wonder why...


Hoje, em conversa com a querida Formiga, chegámos à conclusão que há um qualquer defeito genético nos homens (que se pode juntar ao facto de nunca quererem perguntar direcções ou de não lhes passar pela cabeça mudar o rolo de papel higiénico), que os impede de conseguir encontrar coisas que estão à frente dos olhos.
Já repararam que os meninos, rapazes ou homens têm tendência para perguntar sempre onde estão as coisas que procuram, em vez de procurar convenientemente? Na realidade os homens não olham para procurar, procuram a gritar. Maria, onde é que estão as minhas cuecas pretas com o papagaio? Carlota, as minhas chaves de casa? Albertina, onde é que está o transformador da minha pedaleira? Em qualquer dos casos, estas questões são feitas alto e bom som, preferencialmente de outra divisão qualquer da casa, enquanto lavamos a loiça ou fazemos a cama. Supostamente teríamos que abandonar tudo e ajudá-los na demanda do objecto perdido, como se fosse da nossa responsabilidade saber do paradeiro das coisas deles. Mas como temos mais do que fazer gritamos também: As cuecas estão na primeira gaveta da tua mesa de cabeceira! As chaves estão no prato na estante da entrada! O transformador da pedaleira está dentro da caixa dos pedais. 
E eles lá tentam encontrar o famigerado objecto, enquanto nós continuamos o que quer que seja que estamos a fazer. Se o que eles procuram não é encontrado nos três segundos seguintes, começam a ouvir-se portas de armários a bater, gavetas a serem empurradas ferozmente e caixas abertas de supetão. Mas nada. O que procuram não se encontra à mão. Já viram no sítio onde dissemos e em mais trinta, que nem sequer se aproximam remotamente do local onde supostamente está o que procuram. São capazes de procurar as chaves de casa na despensa e as cuecas na sala. 
Finalmente, quando nos fartamos de ouvir berros e portas a bater, lá largamos o que estamos a fazer e vamos direitas ao local onde sabemos que está o que procuram: as cuecas com o papagaio estão mesmo na primeira gaveta da mesa de cabeceira, mas estavam debaixo das cuecas brancas. As chaves estão no prato na estante da entrada, mas com uma carta a tapar. O transformador está na tal caixa dos pedais, mas na divisória do lado. 
Chego à conclusão que, como em tanta coisa na vida masculina, os nossos congéneres ficam-se pelas primeiras vistas, pelas aparências, pelo que está por cima. Ir além disso dá muito trabalho. Mas isso deixa-me com uma questão existencial: porque é que os detectives mais famosos são homens? Seriam in the closet gay guys? Fica a pergunta...